O Direito À Preguiça
by Anne Macedo
Estamos vivendo algo inédito – uma pauta que uniu trabalhadoras em prol de um objetivo em comum: a redução da escala de trabalho.
Inicialmente, o objetivo é acabar com escalas de 6x1 (onde trabalhadores fazem 6 dias de trabalho para um dia de descanso, o que é desumano) e, com muita luta, chegarmos ao tão sonhado 4x3 (ou seja, fins de semana de 3 dias).
Como essa luta impacta nós, computer boys, girls and persons?
Há um tempo atrás, eu havia escrito um e-mail que enviei numa thread de e-mails na Thoughtworks sobre reduzir a nossa jornada de 40 horas (uma conquista do SINDPD de São Paulo) para 32 horas. Em meio há muitos comentários sobre a saúde do negócio, eu forjei talvez um dos meus melhores emails.
Basicamente, ele falava sobre como eu não ligo pra saúde do negócio, e sim para a saúde das pessoas.
You see, 4 dias de trabalho podem talvez melhorar a produtividade, mas eu não ligo. Não ligo para produtividade, não ligo para saúde do negócio. Essas coisas são consequências naturais de trabalhadoras saudáveis. Para mim, o mais importante é reduzir ao máximo o trabalho, para que possamos ter tempo para fazer outras coisas.
Como disse no e-mail, não quero que meu descanso exista só para o propósito neoliberal. Assim como a diversidade tem que existir porque tem que existir, e não porque é boa para o produto ou para o negócio, é necessário também reduzir a carga horária porque é bom pra trabalhadora, e não porque é bom para os negócios. I just don’t care about business at all.
Nesse vídeo do Christian Dunker sobre Burnout (minuto 14:33), ele fala sobre o ciclo do descanso para fins de trabalho, em que a trabalhadora entra num loop de estresse e descompressão. Estresse, descompressão. Estresse, descompressão.
E no mundo moderno que vivemos, nossa descompressão significa quase sempre consumo. Desde o homem que trabalha muito pra tomar uma cerveja no fim do dia, a mulher que além de trabalhar no 6x1 ainda precisa fazer jornada dupla (realidade de muitas mulheres pelo Brasil), e todos os gêneros que vão assistir Netflix ou Globo após o trabalho para tentar, forçadamente, descansar o máximo possível pois amanhã tem mais.
E ainda estamos vivendo tempos de gig economy, em que algumas pessoas não se podem mais se dar o luxo de descansar, do jeito que a burguesia gosta.
Além disso, tem esse vídeo do Ian Neves sobre os escravos de luxo da Faria Lima. Ele cita uma coluna da Folha em que se fala sobre o ciclo de exploração das trabalhadoras de marketing e outros da Faria Lima. São pessoas que, por mais que vivam uma vida com muitos luxos (e.g. Jeep Renegade na garagem e iPhone), também sofrem uma exploração enorme de sua força de trabalho. Isso gera um ciclo em que a explorada precisa explorar. Quando não se tem tempo pra fazer a própria comida, alguém precisa fazer a sua comida. Quando não se tem tempo para limpar a própria casa, alguma diarista de Itaquera ou do Grajaú precisa fazer isso por você. O ciclo de exploração só continua dentro do capitalismo.
Eu não sou só a favor do fim da jornada 6x1 – eu sou a favor da redução de jornada para o máximo possível, seja ele qual for.
Há dois anos atrás, fui diagnosticada com burnout. Burnout é algo complicado pois é um sintoma de algo muito maior, que é o próprio capitalismo. Eu fiquei muito mal, com a sensação de languishing, uma apatia generalizada e com muito pessimismo.
Comprei dois livros pra tentar ler, “O Direito À Preguiça”, do Paul Lafargue, e “Sociedade do Cansaço” do Byung-Chul Han. Não consegui terminá-los ainda por motivos de preguiça e cansaço, mas eventualmente irei publicar algo mais estruturado sobre eles. Eles falam muito sobre a questão psiquica do trabalho, o antitrabalho e como superar o trabalho.
Enfim, irei no futuro escrever mais sobre o que penso sobre o mundo moderno e a superação do trabalho. Não podemos parar no fim do 6x1, nem no 4x3.
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